2019-12-26

Alexis Cortés en ‘Horizontes au Sul’: Octubre chileno: ¿el neoliberalismo nace y muere en Chile?

En una publicación para Horizontes au Sul, medio digital de difusión científica, el académico reflexionó sobre la historia del neoliberalismo en Chile, las consecuencias que este ha tenido en la vida de los chilenos a lo largo de 30 años; las promesas que éste modelo dio a la población y las desilusiones que arrastró. Este repaso lo enlaza al estallido social que se desencadenó el 18 de octubre pasado, comparándolo con una erupción volcánica cuyas fuerzas subterráneas siempre han estado presentes a pesar de “no son observables a simple vista hasta que la presión se vuelve insostenible”

 

 

O OUTUBRO CHILENO: O NEOLIBERALISMO NASCE E MORRE NO CHILE?

O que teve início dia 18 de outubro de 2019? Provavelmente ainda é cedo para traçar uma caracterização definitiva do que realmente começou nesse dia, mas uma coisa parece clara: a vida social e política do Chile mudou definitivamente. No 18 de outubro começaram as maiores, mais intensas e extensas mobilizações dos últimos tempos no Chile. 

Talvez a metáfora que melhor dê conta do outubro chileno seja a ideia de erupção vulcânica. Forças magmáticas que a olho nu não são observáveis até que a sua pressão se faz insustentável, emergindo para a superfície de um modo esmagador e altamente destrutivo. No entanto, as erupções vulcânicas possuem ao mesmo tempo uma enorme capacidade modeladora, reconfiguram as paisagens políticas à sua volta e seus sedimentos, uma vez estabilizados, tornam as áreas mais férteis para novos cenários. 

O 18 de outubro nasce como uma explosão, uma força incontível que surpreende, mas as forças subterrâneas que a ativaram sempre estiveram lá. De fato, são diversas as explicações esboçadas sobre sua origem: a desigualdade, o abuso, a falta de democracia e direitos. Uma pixação perto das hoje rebatizadas Praça da Dignidade, afirma o seguinte: “O neoliberalismo nasce e morre no Chile”. 

Como uma mobilização que surge do aumento da tarifa do metrô em 30 pesos chilenos (aproximadamente R$ 0,15) poderia dar origem a um questionamento do modelo econômico que transformou o Chile em seu principal laboratório? “Não são 30 pesos, são 30 anos”, responderam os manifestantes, ou seja, o aumento dos preço do transportes permitiu a eclosão de um descontentamento que estava sendo forjado há muito tempo. Com os 30 anos, se faz referência e se questiona o período pós-ditadura e o acordo intra-elites que deu estabilidade ao país, em troca da manutenção substantiva do modelo econômico e da institucionalidade política que os protegia, sendo sua principal expressão a Constituição Políticas dos anos 1980. Nem por isso, o aumento deixa de ser considerável, se observamos em termos acumulativos, as altas sucessivas haviam transformado o metrô de Santiago e o transporte público em geral em um dos mais caros da região, representando uma parte significativa dos gastos dos trabalhadores chilenos. 

Fonte: Arquivo Pessoal Alexis Cortes.

O modelo chileno

O modelo econômico herdado da ditadura, mesmo que tenha sido moderado em certos aspectos durante os governos da Concertación, por exemplo, mediante políticas públicas focalizadas que reduziram a pobreza, foi apresentado nos últimos anos como a única forma de desenvolvimento possível. A consolidação do neoliberalismo no mundo teve como peça chave a perda da capacidade decisória dos Estados-Nacionais, sobretudo dos governos, para definir de modo autônomo e soberano seus ordenamentos econômicos. Em contraste, organismos internacionais (FMI, BID, e o Banco Central Europeu) e as empresas transnacionais ganharam em capacidade decisória. O fenômeno anterior introduziu uma contradição fundamental no mundo inteiro entre neoliberalismo e democracia, pois esta última foi limitada, na medida em que existiria uma área fundamental da vida coletiva, a economia, que ficaria excluída da capacidade decisória dos cidadão. Mas não somente isso, especialmente no caso chileno, o neoliberalismo, além foi apresentado não só como inevitável mas como desejável. A economia de livre mercado não só seria resultado natural das forças sociais, ou seja, segundo essa lógica, de mercado, como também seria a melhor opção possível para maximizar o bem estar social da população. O Chile, como laboratório do neoliberalismo e apontado como um exemplo exitoso da combinação de economia de mercado e democracias, foi promovido como o modelo a ser seguido pela região e para outros países emergentes. 

Sem dúvida, se tomarmos como parâmetro a vida na ditadura, o bem estar material desde o retorno à democracia aumentou. Entretanto, o que sustentou o crescimento econômico foi a nossa dependência da exploração e exportação de matérias primas, notadamente o cobre. Nossa matriz produtiva viveu um processo de reprimarização econômica, iniciada com a desindustrialização promovida pela ditadura e que, com os governos democráticos, não foi alterada. Ademais, a deschilenização da exploração das matérias primas com condições extremamente favoráveis para empresas transnacionais, com royalties mínimos e leis permissivas, transformaram vastas extensões do nosso território em zonas de sacrifício, produzindo uma enorme fuga de recursos ao exterior, sem aumentar os empregos e, paradoxalmente, empobrecendo zonas ricas em recursos naturais (Atacama e La Araucanía são casos exemplares). 

Outra base do modelo foi a financeirização da economia. O que move os mercados mundiais é a especulação. No caso chileno, tem sido os fundos de pensão da AFPs [1] uma das principais fontes para sustentar a inserção empresarial chilena nas lógicas especulativas, privatizando os lucros (para as empresas) e socializando as perdas (para os trabalhadores). Não por casualidade uma das principais demandas das mobilizações foi a exigência de uma novo sistema de Previdência social. Muitos jovens na hora de explicar sua presença nas marchas, afirmam que estão ali pelos seus avós. Conforme o tempo passou, as mobilizações foram se tornando cada vez mais juvenis, mas mantendo um alto grau de solidariedade intergeracional em suas motivações. 

Este modelo, mesmo que tenha trazido bons resultados macroeconômicos, por um lado, tanto na balança comercial, no PIB per capita e na imagem país; por outro, alavancou um aprofundamento da desigualdade econômica. Mais do que produzir riqueza, o modelo produziu ricos. Algumas famílias concentram a maior parte do nosso PIB, enquanto a metade dos chilenos vive com um pouco mais de um salário mínimo por mês. É verdade que nos últimos anos a desigualdade econômica começou a decrescer, mas a sociedade percebe a desigualdade de outras formas: no trato, na existência de privilégios e no abuso (PNUD, 2017). [2]

Fonte: Arquivo Pessoal Alexis Cortes.

O despertar do Chile

O que teria tornado possível que a desigualdade atualmente tenha se mostrado uma realidade intolerável, que deve ser revertida? Poderíamos conjecturar que a desigualdade chilena foi mascarada de duas maneiras. Primeiramente, foi mostrada como uma desigualdade justa. O principal mecanismo ideológico para essa operação foi o discurso meritocrático, ou seja, que as melhorias na nossa posição social ou em nosso bem-estar seriam proporcionais ao esforço investido nisso. A fórmula simplista é: “você é pobre, porque não se esforçou o suficiente”. Os chilenos historicamente confiaram na educação como o principal mecanismo de mobilidade social ou, em outras palavras, como o principal gerador de desigualdades percebidas como justas. Contudo, o ciclo de mobilizações iniciados com o movimento estudantil secundarista (2006) e universitário (2011) atestaram um golpe devastador no discurso do mérito, não por negar que esse existia, mas porque evidenciaram que o processo de mercantilização da educação teria a transformado em um potente reprodutor e amplificador da desigualdade social: quem pode pagar, teria uma melhor educação e com ela uma melhor posição social. 

Em outras palavras, não bastava (endividar-se) para estudar, pois no final do processo o que contava mesmo não era o esforço, mas questões ligadas à origem: se você nasceu em uma família com recursos econômicos ou não. A promessa de massificação do ensino superior para permitir uma mobilidade social mostrava-se um embuste. “Investir” na educação frente ao endividamento não necessariamente melhorava a situação do estudante, não somente hipotecava seu futuro financeiro, mas também uma vez concluídos seus estudos, empregos precários e mal pagos esperavam os jovens, sem mencionar suas expectativas sobre a aposentadoria, que com o passar do tempo se voltaram mais ameaçantes para todos os chilenos. Em todos esses processos, os bancos e um importante número de “empresas da educação” capitalizaram com enormes lucros, alavancados pelo Estado.

Mas o endividamento funcionou também como um retardador da conflitividade que poderia ocasionar a desigualdade econômica. Antonio Gramsci assinalava, sobre o fordismo, que nos Estados Unidos esse tipo de empresas produziam hegemonia diretamente da fábrica, pois os trabalhadores poderiam acessar o seu próprio carro e bons salários, promovendo uma identificação com o capitalismo, sem recorrer a intermediários, ou seja, ideólogos que convençam os trabalhadores que a sua situação é a melhor possível. No caso chileno, pode-se dizer que o endividamento e, mais especificamente, o cartão de crédito, eram produtores de hegemonia, pois os chilenos puderam acessar ao bem-estar material em cômodas parcelas, apesar de suas situações precárias. Contudo, a generalização do endividamento entre as famílias chilenas colapsou. Os cartões de crédito permitiram mascarar os baixos salários, mas o malabarismo financeiro das famílias para chegar ao fim do mês começou a falhar. O endividamento começou a cobrir, inclusive, necessidades básicas como a alimentação e medicamentos e as formas de repactuação com as instituições financeiras se voltaram cada vez mais abusivas.

A democracia desigual

Ademais, a desigualdade econômica tem uma enorme capacidade de transformar-se em desigualdade política, erodindo as instituições democráticas que enxergam-se como igualitárias. Tal como ocorreu em democracias como a estadunidense, as brechas econômicas produzidas pelo neoliberalismo não demoraram em expressar-se politicamente (Bartels, 2008). [3]  Os “super ricos” são os principais apoiadores econômicos das campanhas eleitorais e, por sua vez, os políticos eleitos tendem a ser mais receptivos aos interesses de seus financiadores. Com essa dinâmica, o sistema político, em vez de ser um espaço para reverter a desigualdade econômica transforma-se em uma extensão da mesma, promovendo leis que favorecem aos mais ricos. No caso chileno, os escândalos relativamente recentes de financiamento ilegal da política configuram, em muitos casos, o que alguns autores denominam de “democracia direta do capital”. Deputados e senadores pautados pelos assessores das empresas legislam a favor desses interesses particulares e não do bem comum. As sanções irrisórias recebidas pelos empresários e políticos implicados consagraram uma sensação de impunidade que contribuiu para tornar mais severa a crítica dos cidadãos a ambos. O fato de Sebastián Piñera ser o Presidente da República permitiu concentrar essa recusa em uma única pessoa, dado que sua trajetória pessoal resume o poder direto que pode exercer o capital em uma democracia debilitada.

A democracia chilena amparou o abuso generalizado provocado por um modelo econômico que mercantilizou todas as dimensões da vida social. Não há necessidade que não tenha sido transformada em um grande negócio. Por isso, o primeiro grito dessas mobilizações foi pelo “fim dos abusos”, pelo mesmo que exige-se “dignidade”. Os chilenos sentem-se abusados, ofendidos e indignados. Estes sentimentos não surgiram no dia 18 de outubro, estavam presentes desde antes, o que aconteceu esse dia foi que tais sentimentos potencializaram-se com a disposição à mobilização que mostraram. O certo é que as mobilizações surpreenderam, mas causa mais surpresa que não tenham acontecido antes.

A politização acelerada

A organização de evasões por parte dos estudantes secundários cumpriu o papel de gatilhar a transformação da indignação à mobilização. Inicialmente, as massivas evasões provocaram simpatia entre os usuários do metrô, pois o aumento era considerado abusivo. Os estudantes eram capazes de fazer o que todos deveríamos ter feito: reclamar. Como foi a tônica dessas mobilizações, o governo optou por responder a esse cenário com repressão, afetando aos evasores e usuários regulares. Isso gerou um grau ainda maior de identificação com os estudantes. Finalmente, quando no dia 18 de outubro decretou-se o fechamento do metrô e o transporte na superfície suspendeu suas operações em pleno horário de retorno laboral, criou-se o coquetel perfeito para a explosão. Os trabalhadores que tiveram que iniciar longas caminhadas a pé para voltar a suas casas, espontaneamente começaram a engrossar as barricadas em cada esquina da cidade. Foi a gota d´água. As manifestações de descontentamento foram radicalizando-se e os protestos no outro dia já tinham nacionalizado-se. 

Tudo estava em questão, nada parecia impossível de ser modificado. A mobilização operou como um poderoso desnaturalizar de todo o modelo político e econômico. O que até ontem era tolerado, ainda que relutantemente, a partir desse momento foi abertamente questionado. A mobilização tornou-se transversal, não existia um canto no país que não sentia-se parte desta “explosão”. Rapidamente, a demanda econômica para congelar a caminhada transformava-se em uma luta altamente politizada, sendo a crítica a constituição a maior expressão desse passo. 

O que até ontem era identificado como um problema individual ou pessoal; o endividamento ou o abuso, começou a ser entendido pelos chilenos como problemas coletivos, como questões públicas: pensões, salários, saúde ou serviços básicos. Momentos de densidade histórica, como o que iniciou em 18 de outubro, incitam transformações radicais nas trajetórias daqueles que participam deles (Bringel e Pleyers, 2015) [4]. Uma dessas transformações mais visíveis são os processos acelerados de politização. É necessário notar que essas novas formas de politização nem sempre se expressam sob os parâmetros usuais nos quais se dão a política tradicional, principalmente por meio da participação em partidos ou pelo comportamento eleitoral. O que se percebe são politizações de conversas cotidianas, manifestações contraculturais que retraem elos perdidos, organizações vazias que são repovoadas (sindicatos, associações profissionais, clubes esportivos ou conselhos de bairro) ou novas plataformas de articulação que emergem (cabildos, assembleias territorial etc.). Os bairros, os locais de trabalho e o espaço público nunca mais serão os mesmos. Não apenas nos conhecemos agora, mas também vimos que nossas fúrias, frustrações e esperanças são compartilhadas. É possível que essas profundas transformações políticas demorem para se expressar de maneira contundente em termos político-eleitorais, mas em algum momento elas serão sincronizadas. Enquanto isso, o estabelecimento de pontes que conectam a política institucional a essas novas politizações continua sendo um grande desafio.

Fonte: Arquivo Pessoal Alexis Cortes.

O atraso anterior contribuiu para alimentar discursos alarmistas em atores da opinião pública sobre o perigo que esse movimento representa para a democracia. No entanto, embora, em geral, o movimento expresse uma crítica de como a democracia se desenvolveu no Chile e tenha deixado ainda mais evidente a profunda crise do sistema político, as mobilizações parecem ter um enorme potencial democratizante. Em primeiro lugar, porque restabelecem o conflito como elemento fundamental da vida coletiva e, em segundo, porque permitiram que o soberano, neste caso, o povo mobilizado, reconhecesse seu poder transformador.

A democracia chilena, limitada pelos enclaves autoritários herdados, privilegiou a estabilidade sobre o conflito, concedendo-lhe também um poder de veto decisivo às elites empresariais, basta lembrar o documento SOFOFA [5] de 2 de outubro que apontou os riscos para o crescimento econômico da agenda legislativa. Dessa forma, qualquer aspiração por transformação ou reforma dos pilares do modelo que dominaram os chilenos é tipificada como ameaça ao crescimento econômico e, portanto, à democracia. Com isso, o sistema político se tornou cada vez mais insensível às demandas de mudança expressas pelos cidadãos, isto apesar da modificação do sistema binomial durante o segundo governo de Michelle Bachelet, que permitiu que o Parlamento se tornasse representante da diversidade política do país.

Muitos analistas se perguntavam por que os chilenos se expressavam de modo tão radical, mediante mobilizações que incorporavam um alto grau de violência aos seus repertórios de ação coletiva. O que se poderia esperar se as tentativas de reforma do sistema em boa parte naufragaram uma e outra vez? O governo da Nueva Mayoría (coalizão de partidos de esquerda e centro-esquerda) representou uma tentativa de canalização das críticas emergidas pelas mobilizações de 2011, mas a maior parte de sua agenda transformadora fracassou, em parte por causa do boicote interno de partidos como a Democracia Cristiana, mas acima de tudo por causa do veto empresarial e a trava do Tribunal Constitucional. Vetos estes que tornaram inúteis as maiorias parlamentares, porque, ainda que se consiga aprovar leis transformadoras, o TC trabalhará contra a maioria, declarando-as inconstitucionais. É por isso que a demanda por uma Nova Constituição ganhou tanta força, não porque significa a solução para todos os problemas, mas porque, com a atual, praticamente é impossível qualquer mudança, por mais majoritário que seja seu apoio.

A crítica radical ao sistema político dificultará a construção de projetos que aspiram a expressar o desejo de mudança. O comportamento errático, elitista e de desconexão com as mobilizações que tiveram grupos que apostam na renovação da esquerda, principalmente a Frente Ampla, tornará ainda mais complicado o levantamento dessas pontes. No entanto, essa relutância não se aplica à política em geral. Além disso, nem todas as partes se comportaram da mesma maneira.

Fonte: Arquivo Pessoal Alexis Cortes.

Nesse sentido, diferentemente de outras experiências recentes de mobilização, como as do Brasil em junho de 2013, onde as manifestações foram capitalizadas por uma direita extremamente reacionária, precedida pela violenta expulsão da esquerda das ruas (bem como de seus símbolos); no Chile, por enquanto, o movimento tendeu a padrões progressistas. Os símbolos nas ruas são historicamente identificados com a esquerda: a bandeira mapuche, a da diversidade sexual, Pedro Lemebel, Gladys Marín, Víctor Jara ou Violeta Parra.

A Mesa de Unidad Social, que agrupou o mundo organizado, do movimento sindical, passando pelo estudantil, o de pobladores, até o da Coordinadora 8 de marzo, foi uma experiência enormemente meritória, considerando a fragmentação e as diferenças que haviam imperado até o momento entre setores organizados. No entanto, embora a Unidade Social não tenha pretendido arrogar a liderança desse movimento, a invisibilização dessa organização por parte do governo e da imprensa tem sido uma maneira de enfraquecer as mobilizações, pois um movimento que não pode interagir é um movimento sem demanda que pode ser satisfeita. Não obstante, neste momento, parece claro que o Movimento Social que se inicia em 18 de outubro tem duas expressões que dialogam: a vertente inorgânica com alta capacidade de convocação e reinvenção, sem rostos visíveis ou estruturas organizacionais; e a vertente orgânica, representada pela Unidad Social, com alto grau de articulação discursiva e demandas claras. Essa é outra diferença com o Brasil de 2013, em nossas mobilizações entre a rua e o mundo organizado, há sintonia e complementaridade. No Brasil, em 2013, sindicatos e organizações estudantis foram deslocados, pode-se dizer até expulsos, pelos setores conservadores. As duas greves promovidas pelo Bloco Sindical da Unidad Social durante as mobilizações são a melhor expressão dessa força.

Por outro lado, não devemos desconsiderar o potencial daqueles que hoje se mobilizam inorganicamente para fundar novas formas de ativismo e potencializar as organizações existentes. Pode demorar mais ou menos, mas a politização de trajetórias que produziram o surto, as novas solidariedades criadas, em algum momento se traduzirão politicamente, renovando ou recriando o cenário atual.

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Concluindo, poderíamos dizer que as mobilizações que começaram em outubro evidenciaram a profunda tensão existente no país entre o modelo econômico neoliberal e a democracia. Não está totalmente claro como será a saída da crise atual, mas parece evidente que as contradições que causaram o momento contemporâneo não serão resolvidas dentro do neoliberalismo ou dentro dos limites estreitos de nossa democracia do presente. As mobilizações questionaram o neoliberalismo, não de maneira abstrata, mas em suas expressões concretas, em suas consequências vividas pelos chilenos. No entanto, o neoliberalismo não morreu. Embora possamos dizer que a narrativa que identificava o modelo chileno como paradigma a ser imitado pelos países da região acabou. Hoje, quando a América Latina se debate entre restaurações conservadoras e intentos de um novo impulso progressista, o fim da via chilena do neoliberalismo, como modelo de exportação, é uma boa notícia.

A erupção chilena de outubro continuará modelando novas paisagens, apesar de não sabermos que forma elas adquirirão, pois sua força foi tão avassaladora que é difícil canalizá-la. Mas, o magma liberado também criará terrenos férteis para novos futuros. Que sementes serão espalhadas? A resposta está em nossas mãos.

 Alexis Cortés é Doutor em Sociologia e professor do Departamento de Sociologia da Universidad Alberto Hurtado

Alexis Cortes

Edição: Marcia Rangel Candido